quarta-feira, 25 de fevereiro de 2015

Tua fotografia ardia-me as entranhas


Dançavas algo sobre o fim do tempo. Suavemente ao descaso, como um café-da-manhã esquecido naquela mesa de madeira roída por cupins. Tuas mãos seguiam a brisa levantando a poeira que já era móvel daquele quarto cálido. Teus pés descalços e calosos desenhavam tua história sem afeição da infância. Nas tuas únicas rugas não havia o comum vazio, mas rosas erguendo-se contra a natureza imperativa do outono. Rosas que exalavam o cheiro da tua nudez neste cômodo de pornografias gravadas à surdina. Chaplin não captaria o mudo do sexo que fazíamos para aquela lente solitária que se masturbava assistindo nossas ébrias fantasias.
Mas tuas fotografias perturbavam. Estas que mandavas quando não podias estar aqui. Indecente mania de querer estar presente. Teu nu congelado, sem movimento. Aquela virilha morta encarando-me contente. A falta do toque férvido de minhas mãos na tua pele lisa e rígida. Teus lábios de garoto com batom, que me marcavam, intactos como uma beleza narcisista.
Tua fotografia ardia-me as entranhas.
Tua fotografia era nossa mentira.
Tua fotografia era o sepulcro de minha alma movediça.
E tua dança do fim do mundo recomeçava. Um filme misógino do Lars von Trier. Um jazz feminista da Nina. Tua dança nua acalentando minhas cicatrizes. Meu movimento nu te causando feridas. Nosso gemido mudo fazendo ressonância com o canto dos pintassilgos que acompanhavam as buzinas. O pó que subia aos céus clamando por essas almas perdidas. Pela luxúria amadora que estava gravada em nossas fitas. E novamente ias embora sem despedidas.
Tua fotografia ardia-me as entranhas.
Tua fotografia era nossa mentira.
Tua fotografia era o sepulcro de minha alma movediça.
Mas aos deuses, agradeço, por tuas fotografias.

_______________________
Escrito por Marcos Soares, 25 de fevereiro de 2015.

2 comentários:

  1. Encontrei esse blog ao acaso e meu Big Bang, vocês escrevem muito bem! Estão de parabéns!!

    ResponderExcluir