quinta-feira, 8 de janeiro de 2015

Te fumei inteiro sem filtro: apodreci

Foto retirada do DeviantArt


Tu consegues ver minha alma sendo sugada por aquele buraco cinza-verdade que deixastes depois da última tragada? A ponta do cigarro que largastes entre minhas pernas ainda queimando a nicotina cancerígena que eu inspirava tentando te prender? A tosse ininterrupta causada pela luta entre meus pulmões e a fumaça que continha você? Os olhos vermelhos expondo a guerra de meu corpo para que teus resquícios não sumissem depois do seu desaparecer? Será que consegues ver como me entreguei ao comodismo esperando que repetisses a cena só para tentar vencer aquela luta pelo menos uma vez? Não aconteceu. Não tinhas tempo. Todo o tecido especializado do meu estômago agora relembrava a fumaça que a ponta solta havia lançado. Minha intenção ao engolir a fumaça era criar uma neblina densa de cinzas dentro de mim. Talvez me sufocasse, mas também te matasse comigo.
Tu consegues ver a covardia do leão de Oz em mim? A falta de inteligência do espantalho por não conseguir te repelir? Ou o coração distante do homem de lata que não produz amor próprio para meu corpo? Consegues ver que essa tua ideia de balança justa não é real? Que a justiça que imperas é tão corrupta que Deus passou a se entender mais justo? Tudo indica que teus olhos míopes de tanto observar a tela lcd da vida alheia não o servem mais além de refletirem tua beleza descomunal de tão humana, de tão desejável, de tão irremediável. Às vezes, apareces em reflexos que soam como vultos ágeis em confundir o dia que raiou azul resultando numa noite doce de esperança. Queria ter aproveitado o momento da manhã para te contar das coisas que não fiz, das coisas que não aconteceram. Dizer o que destruí procurando outro maço de cigarros que podias ter esquecido. Indagar bravamente que passava pelos mesmos lugares onde teus vultos me atormentavam quase sempre. E balbuciar cada lágrima derramada simultaneamente com a pena da asa do anjo caído que acompanhava a virgem Maria, e juntos mostravam em slow motion o filme com um espelho que me refletia num descontentamento sem acontecimentos onde não adiantava correr, pois perder o ônibus naquela parada às seis horas da manhã não fazia diferença enquanto teus relances não me surgiam.
E no ar pairava a manchete que voltarias. De súbito, o mórbido vazio que nunca tinha me ocorrido. Não adiantava correr. Embarquei no primeiro ônibus com destino “para longe de você”. Lembrei das vezes que tentei segurar à fumaça que saia da tua boca e impregnava na minha pele depois que havíamos transado noite adentro. Da tua figura nua de costas na janela, entregando-me as nádegas, solfejando galante como o luar era menos belo que minha pele. Estava só agora, entretanto com os pensamentos que tanto protegi. Mais uma vez, com a dor que preenchia tão rudemente todos os poros do meu ser. E naquele assento fiz minha jazida, trocando de rumo constantemente, sempre longe e cheio de ti.

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Um ariano ferrenho que ainda não expôs todo o rancor que criou na casa de libra.
Escrito por Marcos Soares, 08 de janeiro de 2015. 

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