Foto retirada do DeviantArt |
Tu consegues ver
minha alma sendo sugada por aquele buraco cinza-verdade que deixastes depois da
última tragada? A ponta do cigarro que largastes entre minhas pernas ainda
queimando a nicotina cancerígena que eu inspirava tentando te prender? A tosse
ininterrupta causada pela luta entre meus pulmões e a fumaça que continha você?
Os olhos vermelhos expondo a guerra de meu corpo para que teus resquícios não
sumissem depois do seu desaparecer? Será que consegues ver como me entreguei ao
comodismo esperando que repetisses a cena só para tentar vencer aquela luta
pelo menos uma vez? Não aconteceu. Não tinhas tempo. Todo o tecido especializado
do meu estômago agora relembrava a fumaça que a ponta solta havia lançado.
Minha intenção ao engolir a fumaça era criar uma neblina densa de cinzas dentro
de mim. Talvez me sufocasse, mas também te matasse comigo.
Tu consegues ver a
covardia do leão de Oz em mim? A falta de inteligência do espantalho por não
conseguir te repelir? Ou o coração distante do homem de lata que não produz
amor próprio para meu corpo? Consegues ver que essa tua ideia de balança justa
não é real? Que a justiça que imperas é tão corrupta que Deus passou a se
entender mais justo? Tudo indica que teus olhos míopes de tanto observar a tela
lcd da vida alheia não o servem mais
além de refletirem tua beleza descomunal de tão humana, de tão desejável, de
tão irremediável. Às vezes, apareces em reflexos que soam como vultos ágeis em
confundir o dia que raiou azul resultando numa noite doce de esperança. Queria
ter aproveitado o momento da manhã para te contar das coisas que não fiz, das
coisas que não aconteceram. Dizer o que destruí procurando outro maço de
cigarros que podias ter esquecido. Indagar bravamente que passava pelos mesmos
lugares onde teus vultos me atormentavam quase sempre. E balbuciar cada lágrima derramada simultaneamente com a pena da asa do anjo caído que acompanhava a virgem
Maria, e juntos mostravam em slow motion o filme com um espelho que me refletia
num descontentamento sem acontecimentos onde não adiantava correr, pois perder
o ônibus naquela parada às seis horas da manhã não fazia diferença enquanto
teus relances não me surgiam.
E no ar pairava a
manchete que voltarias. De súbito, o mórbido vazio que nunca tinha me ocorrido.
Não adiantava correr. Embarquei no primeiro ônibus com destino “para longe de você”. Lembrei das vezes
que tentei segurar à fumaça que saia da tua boca e impregnava na minha pele
depois que havíamos transado noite adentro. Da tua figura nua de costas na
janela, entregando-me as nádegas, solfejando galante como o luar era menos belo
que minha pele. Estava só agora, entretanto com os pensamentos que tanto
protegi. Mais uma vez, com a dor que preenchia tão rudemente todos os poros do
meu ser. E naquele assento fiz minha jazida, trocando de rumo constantemente,
sempre longe e cheio de ti.
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Um
ariano ferrenho que ainda não expôs todo o rancor que criou na casa de libra.
Escrito por Marcos Soares, 08 de janeiro de 2015.
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