Imagem retirada do Deviantart. |
“Talvez não tenha sido nada, e estou quase certo disso.”
Acordara sufocada com tudo
que havia sonhado. Sonhara com a realidade que vivia. Tentara relembrar das
paisagens, das situações, na esperança que algo fosse diferente da sua vida. Na
tentativa de deixar o sonho menos frustrante. Por alguns instantes, riu.
Lembrara-se das despedidas: das boas e das dolorosas; lembrara-se das manhãs:
das felizes e das com enxaquecas; lembrara-se dos encontros: dos surpreendentes
e dos indesejáveis. Nessa parte apenas uma imagem se desfocou, e o sorriso
desapareceu.
Tomara um copo d’água, e
caminhara pela casa. Olhara o espelho e não via nada grandioso. Pele alva, sem
rugas, dentes perfeitos, olhos escuros, grandes cílios, boca carnuda. Nada que
fosse diferente das demais pessoas. Olhara mais fundo, perscrutava por algo que
fosse único, ímpar. Encontrou insatisfação, dor, desespero, aflição,
desapropriação, amor. Só percebera que já estava subindo as escadas quando
havia controlado a pressão das lágrimas. Prendeu a respiração e continuou
subindo, estava na hora de encará-lo.
Aquele cômodo estava idêntico
à última lembrança. O cheiro das palavras, o sabor do toque, a sensação das tintas. Tudo era sinestésico. Tirara o véu daquela pintura, e a observava. Por que estava sem moldura? Ela não
havia terminado, lembrara. Aquela imagem era tão assustadora, tão desfocada,
tão expressiva. Era distante. Lembrara-se de quando começou: pintando o sorriso
perfeito, aqueles braços com os abraços mais fortes, da barba malfeita. Mas
aquela parte só durou um mês. Lembrara-se da segunda etapa: escondeu o sorriso,
cruzou os braços, embaçou a barba. Aquilo não existia mais.
Não conseguia entender mais a
figura. Tentava entender o porquê dela sempre mudar. Em um momento, a pintura
ria. No outro, não mais. Havia uma névoa que a impedia de fazer aquilo com
perfeição. Resolvera colocar a moldura, encerrar aquilo. E percebera que a obra
havia sido terminada. E que continuava sorrindo, com os braços abertos, com a
barba malfeita. Sempre fora assim. Antes dela, e depois também. O problema é
que a pintura não se encaixava a artista. Ou não houvera tempo para adaptação.
Agora se lembrara da exposição
na galeria, e como aquela fora a primeira obra a ser comprada na noite. Todos
queriam O Indesejável Número 1, e ele
queria ser de todos. Um comprador venceu. Aquele que conseguira superar toda a
futilidade e fraqueza da obra. Todos os traços rústicos e desconhecidos. Toda
inverdade que a imagem continha. O
Indesejável Número 1 não era real. Era só mais um trabalho meramente
artístico feito para vender. Mas ela o amara, o desejara, sentia seus carinhos,
e respirara aquilo. Ela o quis tão bem!
Contudo agora ele ia embora às mãos de outro.
E
ela o olhou pela última vez, ela sorriu para aquele sorriso pela última vez,
ela o provou pela última vez. E desejou, por Deus, que fosse a última vez.
***
Escrito por Marcos Soares.
Para você!
*Termo tirado da obra Harry Potter e as Relíquias da Morte, de
J. K. Rowling.
Que conto lindo. *O*
ResponderExcluirUtilizador assíduo do pretérito-mais-que-perfeito. HM.