terça-feira, 16 de outubro de 2012

Descobertas de Garotinho - Parte IV

A Noite Estrelada de Van Gogh, pintor pós-impressionista.

Ele olhou para aquele local por onde esteve por tanto tempo. Contemplava-o. Ele fora uma fortaleza. Um esconderijo. Mas estava feliz por está saindo dele e indo em direção da vida.
Atravessou outras crianças. Estava determinado, foi educado enquanto passava por elas. Cumprimento-as e viu que por muito tempo havia sido egocêntrico, egoísta. Todo esse tempo só enxergou sua dor, esqueceu dos outros. Uma criança nunca faz isso. Sentiu-se contaminado pelos adultos e pediu desculpas a todos ali. Em silêncio. Pois certas dores, nós temos que guardar para nós mesmos, talvez, por serem pessoais demais, ou porque possamos nos decepcionar pela reação alheia. Pelo total descaso que eles poderiam esbanjar.
Viu o casal sorrindo um para o outro. Ele avançou e pisou em um galho. O barulho assustou o casal que quando o viu, soltou um suspiro e depois riram.
– Como esperávamos por esse dia. – falou a menina começando a chorar.
– Por que demorou tanto? – disse o menino.
– Por que não me procuraram? – disse Garotinho, ele também podia se revoltar.
A mulher se aproximou e o olhou com medo de sua reação.
– Foi você que fugiu de nós. – balbuciou. – Eu quase me desesperei quando percebi que tinha saído por aquela porta sem dizer nada. Quis ir atrás, mas você me bloqueou, entrou num mundo só seu. Ali, por mais que eu estivesse perto, você não perceberia.
Garotinho já chorava. Agora ele lembrava, fora uma escolha sua.
– Por que discutiram daquele jeito? – perguntou ele. – Eu não precisava daquilo, era um capricho. Sei que sou uma criança, mas posso entender as coisas.
– Nós sabemos, só não queríamos... decepcionar você. – disse o menino.
– Não iriam. – falou Garotinho rindo feliz, eles o amavam, agiu tolamente. – Eu sempre estaria do lado de vocês. Saberia que tentaram de tudo um pouco. E que não desistiram fácil. Eu os amo, por isso sai correndo. Senti-me um peso e não queria atrapalhar a vida de vocês. São importantes demais para que fosse eu o destruidor de tudo que eu mais prezava.
Os três choravam. Eles estavam juntos de novo.
– Nos perdoe. – disse em uníssono o menino e a menina.
– Não há necessidade. – disse Garotinho. – Só me prometam uma coisa.
Eles esperaram.
– Que independente do que aconteça, essa será nossa casa. – e apontou para o coração deles. – A maior delas. Que nunca nos separemos por qualquer besteira e continuemos a rir por besteira. Não podemos esquecer de cada criança que habita em nós, e que elas tem o dom de ver o lado bom, que dizer, o melhor lado da vida. Essas crianças que somos, que tem o olhar mais sincero e aconchegante. Que esbanja um amor incondicional, que dar o coração querendo, na maior humildade, receber outro em troca. Que consigamos dizer: te amo!
Eles se abraçaram na mesma hora e não foi preciso mais nenhuma resposta.
  
Um novo flash. A primeira pálpebra abrira
 e esse menor sinal de vida foi festejado com
 um grito fino de felicidade da senhora que estava
 ao lado do garoto na cama.
Garotinho sofrera um acidente de carro
após fugir de casa por conta de um mal-entendido.


A segunda pálpebra abriu e essa foi seguida da primeira palavra:
 Mamãe?
– Estou aqui filho. Sempre aqui.
– Eu sei disso. E eu estou de volta. – falou ele rindo para ela. – Será que a senhora aguenta?
– Vou tentar. – disse Mamãe retribuindo o riso.
Papai entrou no quarto em choro. Olhou para o filho e disse:
– Garotinho?
– Sempre aqui, Papai.
– Sempre.
Voltaram para casa logo depois de uma pequena bateria de exames. Eles estavam felizes e depois de um belo jantar, todos foram dormir juntos, numa mesma cama com a vista para uma janela. Papai e Mamãe dormiram quase que instantaneamente, estavam em paz. Garotinho não. Ele não conseguia acreditar que aquilo passara de um sonho. Não podia. Então para disfarçar a frustração, olhou para a janela e ficou contemplando as estrelas. Quando em meio a tanta concentração um barulho chamou sua atenção. Uma estrela entoava um som encantador. Ela sorria. A Pequena Dádiva estava ali, olhando por ele. Então foi aí que Garotinho conseguiu dormir.
Ele sabia que tudo fora verdade. Que tudo que viveu ali fora inteiramente útil. E concluiu de forma deslumbrante, que sobre o magnífico olhar de nós mesmos, crianças, podemos descobrir as várias verdades que rodeiam o mundo.
Agora ele sabia o que havia acontecido.
Nunca saíra de sua realidade, só precisou analisá-la com os olhos de seu interior. Com os olhos de uma criança.

***

Escrito por Marcos Soares.
Feito a partir de um pedido: "Cria uma história com uma verdade, uma mentira, e uma verdade com ironia". 

2 comentários:

  1. Amei o final.
    E pra mim, garotinho adquiriu um dom.Ele pode encontrar-se com mais sentimentos sim, senhor, seu Marcos.Nem que seja dentro dele mesmo.
    Porque, para Garotinho, tudo é possível.
    Espero rever Garotinho e suas aparições mais vezes.

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