quinta-feira, 11 de outubro de 2012

Descobertas de Garotinho - Parte III



– Eu já fui uma estrela criança. – falou Dádiva experimentando o riso novamente. – Chamavam-me de Pequena Dádiva. Minha curiosidade era enorme e nunca ficava saciada, até que peguei uma carona numa estrela cadente. Bom... só não me avisaram que ela se desfaria e eu ficaria jogada em qualquer lugar... Por isso estou aqui. Não sei como voltar. Não sou adulta, mas essa a única forma que consegui adquirir.
Garotinho soltou seu sorriso encantador e disse:
– Nunca pensei que fosse adulta, senhora Estrela. A palavra “senhora” é um pronome de tratamento. Educação, por isso utilizei-o. – indagou calmamente. – E também em nenhum momento me enganei, infelizmente nenhum adulto entende os puros anseios de uma criança e mesmo que os entendessem, nunca assentiria com total cordialidade. E também pedi uma amiga de minha idade fisicamente, pois um senhor pode ter minha idade mentalmente, não digo por ser um deficiente mental, mas por está bem consigo mesmo, sorrir pela menor coisa e saber que nem todos os dias serão ruins.
– Estou encantada. – disse a Pequena Dádiva e aquela luz antes fraca, agora brilhava intensamente. – Estou muito feliz.
– Demonstras isso de uma forma muito linda. – disse Garotinho. – Obrigado por se aventurar de forma tão perigosa numa estrela cadente, e ter entrado pela minha janela. Nunca tive uma conversar tão instigante. Na verdade, nunca tive alguém para conversar.
–   Lembre-se, foi você que realizou meu desejo. Se você não tivesse pedido, não teria me aventurado.
Ele meneou com a cabeça e riu.
– Termine de comer. – disse. – Já são quatro horas da manhã. Tenho certa impressão de que estrelas não dormem a noite. Então de dia você precisa descansar. Logo, logo estará de volta em seu lugar. Fazendo seu belo papel, e eu estarei aqui, contemplando-a.
– Tudo bem...


A Pequena Dádiva estava deitada sobre a cama de Garotinho. Já ele não sabia exatamente o que fazer. Via aquela mulher, somente de corpo, com uma áurea de uma criança desnorteada. Ela estava cansada e não sabia mais o que fazer. Era realmente muito curiosa. Aquele tipo bom de curiosidade, que lembrava um bebê, que para conhecer as coisas, colocava tudo na boca. O cansaço chegou e ela adormeceu logo assim que amanhecera. O sol radiava forte demais. A maior estrela do universo, e por um momento, o garoto pensou como seria ter o sol em sua casa. Ele riu com a ideia insana. Nunca desejaria o sol ali. Nunca. Nem sabia porquê, talvez os raios ultravioletas, quem sabe?
Ele ia pondo-se lentamente, a imagem era linda. Sua janela era grande o suficiente para ver o sol se despedindo daquele lado da terra. O crepúsculo era mais lindo visto pessoalmente do que quando lido em livros. As árvores ganham uma cor para se junta ao verde de suas folhas, ficam meramente alaranjadas até o total sumiço daquela enorme bola de fogo com mais de três mil graus Celsius. De repente ela estava ao seu lado com dois copos de água. Riu para ele e sentou ao seu lado. Seu cabelo preso em um rabo de cavalo e agora usava um vestido azul claro, colocara uma maquiagem leve e um colar que encontrara na casa. Ela sempre soube que ele estava a sua espera. Preparara tudo para uma ótima estádia. Estava feliz, mas ambos não sabiam se iam aguentar um adeus. As crianças sabem muito bem o quanto isso dói. O laço que existe antes de uma separação é forte demais, e seu rompimento é doloroso, agonizante.
Garotinho havia parado de olhar para o céu, as estrelas apareceriam daqui a pouco e ele saberia que era hora de despedir-se. Ele olhava para as crianças que brincavam na rua. Elas estavam tão despreocupadas. Isso era bom, ele sabia que elas tinham mais responsabilidades que ele. Ele nascera de forma equivocada. Um descuido, mas foi criado com muito amor. Amor fraterno.
– Acho que sua visita servira para isso também. – disse ele por fim. – Eu precisava crescer um pouco mais.
– É, precisávamos.
– Sabe aquelas duas crianças que estão correndo de mãos dadas? – falou ele vagarosamente.
– São lindas! – disse a Pequena Dádiva. – Unidas por algum motivo mais fortes que elas... um amor tão lindo, não consigo entender porquê, mas estarão sempre ali.
– E elas não existem mais. Estão presas desde meu nascimento. Meus pais nunca foram os mesmos. Eu os preocupo. Meu futuro é o que importa para eles. Sabe por que não soltam as mãos? Medo. Eles se culpariam eternamente se algo acontecesse a mim. Eu matei duas crianças.
Os olhos de Garotinho jorravam lágrimas de culpa, dor.
– Veja como são lindas, juntas! Era isso que existia antes de mim. É por isso que não saiu daqui. Deparar-me com aquelas duas crianças e não saber com que olhos elas irão me encarar. Como agirei? Só sou uma criança.
A Estrela sabia daquilo, uma criança entende a outra. Ela olhou para Garotinho sem a menor pena. Isso não é o melhor sentimento a sentir por uma pessoa. Sentiu compaixão. Olhou para o Garotinho perdido, e riu. É, ela havia aprendido.
– Sabe de uma coisa, Garotinho... – disse com firmeza. – Acho que você tem que arriscar. Uma vez você disse que queria sair, se aventurar. Olha aí, uma aventura do tamanho de sua inteligência, coragem, do tamanho do amor que sente pela sua família. Acho que isso é algo pelo qual vale a pena lutar, não?
– Será que esse não é o problema? Há muita coisa em jogo. Não posso perder...
Ela meneou e disse:
– Sabe de uma coisa, um dia, um jovem menino me disse que: “um problema não é um problema, mas a forma como você ver um problema é o problema”. – riu e continuou. – E sim, realmente há muita coisa em jogo, mas quem disse que se você perder uma vez, não vai ter a chance tentar novamente? Essa é a hora do erro, Garotinho.
Ele a encarou rindo, um sorriso de felicidade tomou conta do lugar onde eles estavam. Ele também parecia brilhar.
– É, agora sim sua visita está completa. – disse, e por fim falou.
Eles abraçaram-se e olharam-se nos olhos.
– Amo-te! – disse o Garotinho.
– Eu também o amo! – disse a Pequena Dádiva.
Garotinho olhou para o céu e desejou que a sua melhor amiga fosse para sua família. Ela precisava ser perdoada. A senhora Estrela sempre fora uma adulta. Jogou-se em uma estrela cadente por não aguentar a vida que levava. Muitos adultos fazem isso. Acham que não tem o suficiente, e depois se arrependem buscando perdão. Agora ela podia ser perdoada, encontrara a Pequena Dádiva de volta. Estava pronta.
Quando chegou ao céu, ela olhou para sua família e falou tudo, tentou explicar. Ninguém lhe deu ouvidos. Eles só falaram as únicas três palavras que ela tanto precisava ouvir: Nós te perdoamos! E a Pequena Dádiva estava novamente brilhando no céu, mas com uma diferença. Entoava um canto muito belo, encantador. Ela ria.
O Garotinho arrumou as malas e saiu de casa. Havia uma nova coragem. Estava pronto para enfrentar seu medo...

***

Escrito por Marcos Soares.
Feito a partir de um pedido: "Cria uma história com uma verdade, uma mentira, e uma verdade com ironia".

2 comentários:

  1. Gente, essa estória me emociona cada vez mais!
    Sério, estou cada vez mais apaixonada e envolvida com esse amor entre Garotinho e sua amiga Dádiva!
    Mais uma vez, eu peço: estimado Marcos Soares, conte-nos mais encontros do Garotinho com outros sentimentos e sensações.Ficarei grata!

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