O Garotinho começara a refletir quando
ela dissera aquilo. Ele estava estupefato, sonhara com uma estrela e quando
acordou, olhava para uma. Garotinho nem ao menos se lembrava de ter feito
nenhuma ligação para a estratosfera. Como ele a havia chamado? Será que em
sonho flutuou numa nuvem alta demais e bateu nela sem querer? Quem sabe? Ela
estava ali e isso era o que tinha de mais grandioso.
– Quer comer
alguma coisa? – perguntou Garotinho alegremente. – Não tenho tudo de bom aqui,
mas o necessário para uma boa alimentação.
– Ótima
ideia! – disse Dádiva. – Acho que nunca comi e agora que estou nessa forma,
sinto um vazio enorme dentro de mim.
– Sabe, esse
vazio... Tenho uma péssima notícia. Ele é natural. – disse Garotinho
ingenuamente. – Eu sempre me sinto assim, e tenho quase toda a certeza do mundo
que ele não cessará com comida. Isso vai além de uma necessidade fisiológica. O
nosso interior, acho que o coração. Sou uma criança, sei que o cérebro é que
guarda tudo, um relicário divinamente belo. Contudo, o status é do coração e
gosto de acreditar na beleza de uma verdade inconveniente... Como eu disse,
nosso interior sempre precisará de algo que o preencha, emocionalmente,
espiritualmente. Que nos faça sentir completos, pleno. E isso, felizmente ou
não, vai além de um prato de comida, ou de uma boa noite sono.
– É, acho que
entendo o que quer dizer Garotinho. Sabe por qual motivo contemplarmos vocês?
Ele não soube o que responder, optou pelo
silêncio de uma criança que esperava uma resposta ansiosamente.
– Porque
vocês podem viver, sentir. Eu não sei muito sobre o viver, sei o que é observar
isso. Vocês podem correr, gritar, comer, rir, amar... – deu um meio riso como
se experimentasse a sensação, mas não sentiu nada. – Não sei como fazer isso.
– Não é assim,
sua boba. – ele não a insultou, foi algo educado demais e que soava lindamente
em sua boca. – Faça com vontade, tenha um motivo. Pense no que você faria se
alguém caísse na sua frente.
– Ficaria preocupada...
– Sério? Eu
daria gargalhadas de me acabar. – disse Garotinho ficando vermelho.
E isso fez à senhora Estrela sorrir.
– Isso é bom!
– É divino,
alivia. – disse ele rindo para ela contente. – Acho que sua visão é bem mais
ampla que a minha.
O Garotinho abriu a geladeira e pegou o
leite. Colocou sobre a mesa dois copos, dois pratos, talheres, açúcar, e pegou
pão e queijo. Riu timidamente para Dádiva, ele não tinha muito a oferecer.
– Não fique
tímido pelo que tem...
– E não
estou. – disse Garotinho firme. – Eu agradeço pelo que tenho. Não gosto de
reclamar e almejar além do necessário, estou bem assim. Se precisar de algo
importante, passarei a desejar, mas fora isso não tem nada que realmente que me
chame atenção. Quer dizer, gostaria de sair, me aventurar. O mundo parece ser
tão grandioso. E só para constar: Meu sorriso tímido foi por não saber do que
você gosta. É a primeira vez que tenho uma visita.
– Encantada.
– disse a Estrela. – E realmente há um mundo totalmente grandioso, pena que não
esteja no melhor estado...
– Por isso
digo que sua visão é bem mais ampla que a minha.
– E isso é um
problema? – perguntou Dádiva.
O Garotinho parou diante da pergunta e
riu.
– Em minha
opinião, um problema não é um problema, mas a forma como você ver um problema é
o problema. – disse naturalmente e colocou o leite nos copos.
– Está ótimo.
– falou a Estrela tomando um pouco do leite. – É muito bom!
– É sim. –
disse o garoto rindo e depois de parti o queijo em fatias finas, espalhou no
pão e deu a Estrela. – Veja isso.
Ao morder o pão a dona Dádiva parecia
maravilhada com aquilo. Uma massa fina e gostosa, feita de trigo, água e
fermento, basicamente. Um pouco de sal e mais nada. Era muito bom, e o que
vinha dentro... o queijo era divino. Um derivado do leite muito bem preparado,
um pouco salgado e cortado de um jeito que parecia apurar o sabor.
– Nossa!
Todos devem conhecer isso.
– Isso é o
que posso lhe oferecer. – falou Garotinho. – Existem coisas melhores, mas acho
que estou satisfeito. Como posso sentir falta de algo que nunca fez parte de
mim? De algo que nunca desejei? Somos seres dotados de capacidade e algo só
passa a ser necessário se fizermos dele algo necessário. Algo nunca terá
utilidade até você dar uma para o mesmo. Temos esse poder nas mãos e nem
percebemos. Não é engraçado? Gabamo-nos de uma inteligência acima de outras
espécies e nem utilizamos ela por completa, no máximo quinze por cento. Não
entendo isso... O que nos leva a pensar que somos tão grandes a ponto de
decidir quem merece o quê? Não me lembro de ter nascido com essa capacidade.
Será que só a desenvolvemos quando adultos? Se for, Deus que me ajude a
continuar com minha mera inteligência de criança, ela, às vezes, me parece mais
adequada ao que vejo.
– Sabe o que
você me lembra, Garotinho?
– É uma
lembrança sua. – disse ele rindo. – Seria muito presunçoso de minha parte dizer
que sim... Conte-me!
***
Escrito por Marcos Soares.
Feito a partir de um pedido: "Cria uma história com uma verdade, uma mentira, e uma verdade com ironia".
Estou adorando!
ResponderExcluirLindo, Marcos!
ResponderExcluirReli a primeira parte para poder ler a segunda, e agora digo: está rendendo um texto grandioso!
Tem como esse Garotinho encontrar-se com mais outros sentimentos?
Esse personagem é tão genial... Contemple-me!
Leve-o além da Dádiva!