segunda-feira, 29 de outubro de 2012

Pandemia




De início, um ponto. Foi aquele “bom dia” com um sorriso despertador pela manhã. Aquele breve aceno com a cabeça – sem intenções maldosas – que meus olhos captaram, aqueles sorrisos desviados de forma adorável. Tudo restrito. Uma endemia! Algo constante. Somente aquele ponto. E naquele mesmo lugar, vários pontos foram se formando. Não eram furos. Eram complementos. Eram “bons dias” dados, acenos com a cabeça, uns sorrisos meigos de outros dias... vários, e vários pontos. Estavam se ligando, formando algo estranho. Uma figura abstrata. Ameaçadora, acolhedora, dispensável. Eu não soube reconhecer. As constâncias sumiram, não estava mais nada restrito. Aconteceu. Formou-se. Uma epidemia! Parecia uma boa escolha. Aquilo não era uma solução. Era perigoso. Não me importava com o perigo!
Tudo passou a ser você. Todos os breves momentos, os longos, os que não existiam. Os necessários! Não sabia dizer o que tudo isso criou em mim. A figura era tão utópica, surreal. Distante. Inenarrável. “Não é algo que se veja todo dia por aí!” – a frase chegava como um sussurro – quase informando que eu devia orgulhar-me disso. O problema que até mesmo os médicos espantaram-se. Eles me informaram: “Faz muito tempo que isso parou de funcionar!”. Seja lá o que for, estava trabalhando numa velocidade que não eu podia controlar. Nem sempre culpa de sua presença, mas dos pequenos momentos que estavas em minhas reminiscências.
A informação circulava em meu corpo. Estava tudo contaminado. Uma pandemia! E por mais contraditório que seja, quando mais precisei da sua presença, mandaram-me ficar isolado. Fugir do perigo. Estava no último nível... E como você estava? Não sabia dizer. Disseram-me que o melhor remédio era: “Rezes para que não tenhas reciprocidade”. E balançavam a cabeça como se eu fosse um coitado. Estava desnorteado. Por que deveria fugir de algo que sei da minha capacidade de agir diligentemente? Ou só acreditava que podia? Conheço meu estilo de provar que sou capaz... Fizeram mais exames.  O resultado foi: “Coração, sinto muito!”.
O caso repercutiu. Muitos diziam: “Tolo ou perigoso?”. Senti-me tão contaminado. Será que não teria mais cura? Desejei que meu cérebro voltasse a pulsar. Essa era também sua função. Como foi tão desleixado em permitir que outra coisa fizesse isso? Uma pandemia! Talvez ele só não tenha resistido aquele sorriso, aqueles olhos... aquele. Tomei todos os remédios, estava melhorando, os pontos pareciam está sumindo. Não que eu estivesse feliz, mas estava aliviado. Levar aquela figura abstrata sozinho era ruim. Parecia que tudo ficaria bem, até anunciarem: “Você tem visita!”. Era estranho, nunca recebi visitas. Enfim, estava melhorando... Daí aquilo entrou, e seus olhos fitaram-me fazendo meu cérebro parar! E só meu coração pulsar forte, descontroladamente. Você se aproximou, e eu percebi que eu não era o único contaminado. Ele também tinha um coração, batia estrondosamente.
– Você rezou como eles mandaram? – ele perguntou.
Eu só consegui rir. Mas minha figura abstrata respondeu: “Em nenhum momento!”.

***

Escrito por Marcos Soares.
Inspirações numa aula de Biologia.

2 comentários:

  1. Esplêndido! Não tenho palavras - talvez porque eu me identifique com o texto e com o momento. Mas muito bem escrito (como sempre), harmônico, emoções sucedidas, explicitadas. Muito bom.

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  2. Eu simplesmente ADORO esse jeito que Marcos tem de expressar e explicar tantas emoções sem transformá-las SÓ em teoria ou grafia correta.
    Mais uma vez, um trabalho incrível!
    Fique com os beijos de sua eterna fã.

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